Casamentos idealizados, inconscientemente.
Dos casamentos que terminam em separações muitos são idealizados inconscientemente. Dos que continuam e são felizes, também. Como isto acontece? É bom perguntarmo-nos onde, com quem, como as pessoas aprendem a ser um casal. Será que cedo demais ou apenas quando já se é adulto? A psicanálise nos ensina que este aprendizado se dá cedo demais. Ou melhor, de tudo o que se aprende sobre “ser” um casal, o mais importante, mais duradouro e principal, aprende-se na infância, com os pais e sem que eles explicitamente ensinem. Os pais ensinam, na maioria das vezes sem perceberem que estão ensinando. Simplesmente sendo um casal em convívio com as crianças os pais ensinam-lhes isto: serem casais. Meninos e meninas aprendem com pai e mãe a serem marido e esposa. Assim, a menina aprendeu com a mãe duas coisas sobre o casamento, que nem sempre as mães dizem, mas ensinam sem percebê-lo.
A primeira é o modelo de casamento que a mãe tem com o pai. O que é ser mãe, o que é ser pai, como cada um pensa de si, do outro e o que cada um faz enquanto membro de casal. O mesmo é válido para o pai. Ensina sem perceber que está ensinando. Mostram um modelo e a moça aprende desde menina. Para o rapaz tudo se passa do mesmo jeito em sua casa.
A segunda coisa ensinada é o que deveria ser o casamento. Imaginem que a mãe tem críticas em relação ao pai e diga ou demonstre aos filhos que tudo seria melhor, diferente, ótimo, se aquelas “falhas” não existissem. Por exemplo, se a esposa acha que seu marido é dado a ter namoradas. Independente disto ser verdade (regularmente é ), a mãe pode dizer que seria totalmente feliz se o pai não namorasse ninguém, só se dedicasse a ela, etc. Da mesma forma o marido pode ter alguma queixa da mãe, por exemplo, pode dizer que a vida seria excelente se a esposa não desejasse trabalhar fora. Desta forma mãe e pai ensinam aos filhos o que seria ideal no casamento.
Filhos aprendem muito bem e em seguida tentam cumprir o aprendizado à risca ou chegam as suas próprias conclusões e idealizam o que deverá ser o seu casamento. Grande parte destas idealizações é bastante consciente. Uma outra pequena parte é inconsciente e poderosa. As idealizações inconscientes agem sem que as pessoas percebam. Rapaz e moça conversaram muito sobre o casamento que terão. Falaram do que está consciente para eles. Agirão muito e principalmente a partir do que está inconsciente. Tanto a moça quanto o rapaz agora casados em pouco tempo poderão começar a querer realizar inconscientemente aquilo que seria ideal no casamento dos pais. Dos pais, repito. Ele tem tudo para ser feliz, mas reclama não ter algo. Que o pai desejaria. Ela tem tudo para ser feliz, mas reclama não ter algo. Que a mãe desejaria. É claro, não têm consciência disto. Aí está outra frustração. Iniciam-se as discórdias, desentendimentos e em pouco tempo o casal passa a pensar em separação. E a falar em separação também. Em tempos dos descartáveis, fazer isto é fácil.
A longevidade é uma das causas das separações.
Parece coisa de louco, mas é verdade. Antigamente as pessoas viviam pouco. Acabavam vivendo juntas até a morte. As pessoas passaram a viver mais, a ter vida mais longa. Aí, passaram a se separar antes da morte. A sociedade teve que encarar o fato. Teve que encarar a Infelicidade da vida “eternamente juntos”, e criou o divórcio. Passou a aceitar a separação de casais, como fato meramente normal. Corriqueiro. Muitos, hoje em dia, já se casam pensando na separação. Dizem que vão fazer um teste. Se der certo ficam, se der errado se separam. O teste quase sempre dá errado. Na verdade sem que se note o relacionamento ganhou um fase nova. Antigamente estas fases eram o namoro, o noivado e o casamento. Hoje é o namoro, o noivado, o “morar juntos” e se der certo, o casamento. Sem que se perceba as pessoas atribuem a esta etapa nova o nome de casamento. Muitas destas pessoas, insatisfeitas com o resultado do teste juram que jamais se casariam com seu par. Embora permaneçam juntas e aceitam permanecer nesta fase eternamente sem passarem para a fase seguinte. Mas a grande parte dos que fazem este teste, terminam se separando. Chamavam seu teste de casamento. E este tipo de casamento tornou-se igual a copinho descartável de café. Com tanta facilidade, para se separarem os casais passaram a se separar mais. Não o fazem sem fazerem grandes estragos. A maior parte termina seu teste tendo já, em geral, um filho. Após o teste, continuam então unidos, quase sempre da pior maneira. Porém, se os testadores, os descartadores, fossem mais sérios consigo mesmos, o resultado seria diferente. Pessoas normais são mais cautelosas. Quando fazem “testes” têm maior chances de acerto. Na maioria das vezes, é a neurose a causa de uniões erradas. É a neurose ainda mais, a causa de separações. A sociedade diante de tantas separações tornou-se solidária e compreensiva. Para sorte dos longevos testadores, a sociedade passou a viver solidária à neurose.
O amor é frágil, o casamento muito mais.
Pessoas treinadas no amor, testam sua capacidade de amar.
O amor é muito frágil. Quebra á toa. O casamento em geral, já começa meio quebrado. É claro que com as pessoas “normais”, isto é diferente. Esta enorme fragilidade só é válida para os neuróticos. Ou seja, para quase todo mundo. A gente sempre se julga normal, neurose nem pensar. Mas não custa nada. Vale a pena dar uma olhadinha nos exemplos abaixo, para saber se uma ou outra dessas “neuras” que vou contar não acontecem com a gente também. Para saber se não estão atrapalhando a felicidade conjugal. Afinal, ninguém precisa ser neurótico a vida inteira. E, fim de casamento não é solução. Se a gente tiver alguma neurosezinha, dá para mudar. Sempre é tempo de corrigir.
Causas de casamentos. Ou de separações? Ambos sabiam o que queriam ou pensavam que sabiam e assim fizeram suas escolhas:
1- ESCOLHA DA BELEZA
Escolheu o homem mais bonito que conheceu em toda a sua vida. Olhava para ele e achava incrível ter conquistado alguém assim. Acreditava na importância da beleza e nunca se perguntou porque (era inconsciente!) e conseguir realizar isto era realizar um grande sonho. Tudo ia bem, felizes, saudáveis, filhos, etc. Problema(!): Ele sofre um violento acidente automobilístico. Depois disto foram meses de hospital e o diagnóstico de tetraplegia. Depois veio a luta de ambos. As escaras, a impotência sexual e pragmática. Ele superou tudo e se tornou um eficiente homem, porém permaneceu tetraplégico. Ela não resistiu.
Escolheu a mulher mais bonita que conheceu. Era fofinha, macia, gostosa. Encantava-se com sua beleza e (inconscientemente) por isto decidiu casar-se. Tudo ia bem, felizes, saudáveis, filhos, etc. Após o segundo filho ela engordou excessivamente indo dos 55K aos 135K. Acreditavam ambos que o peso anterior seria retomado. Ela teve um depressão pós-puerperal e um ano depois iniciou tratamentos para a obesidade. Problema: Apesar de todos os tratamentos feitos seu peso nunca ficou inferior a 105K. Ele passou a chamá-la de “abajur”, “batatinha” e ela a chorar. Ele não achava o novo corpo belo. Ele não resistiu.
2- ASCENSÃO SÓCIO-ECONÔMICA
Nos casos mais comuns é a mulher que encontra este caminho. Porém a situação da mulher mudou muito e encontram-se também muitos homens que buscam no cônjuge a ascensão idealizada. O fracasso pode ocorrer de várias maneiras. Por exemplo: uma mulher viu no homem o fim de todo o seu sofrimento. Ele era nada mais do que um príncipe, tinha tudo e principalmente dinheiro. O amor tomou conta de tudo e o casamento foi inevitável, feliz e pomposo. Depois de algum tempo ela já não suportava mais os sentimentos de inferioridade que a atormentavam constantemente. Não tinha cursos feitos, nem diplomas, nem viagens, nem origem nobre e principalmente era uma espécie de “dondoca” já em desuso. Convivia com mulheres muito bem sócio-economicamente, que trabalhavam e abominavam a dependência. Adaptou-se. Voltou a estudar. Formou-se. Começou a trabalhar depois de ter vencido as resistências do marido.
Problema: Descobriu-se ótima profissional, fez carreira rapidamente e passou a ser admirada por muitos pela sua competência. Em seguida passou a ver falhas e a fazer críticas ao marido. (Inconscientemente) não precisava mais dele. Conquistou o que sempre desejou, por seus próprios méritos. Não resistiu ao casamento e em breve decidiu que a separação poria fim a sua insatisfação.
3 – UNIÃO DE POBREZAS
Ela não tinha nada, nem onde morar e em algumas ocasiões não tinha nem o que comer. Não podia pensar em futuro. Suas necessidades, carências eram tão grandes que só o próprio dia já era um problema grande demais para se pensar. Ele não tinha nada. Sobrevivia com dúvidas sobre o dia seguinte. Ambos julgavam que ninguém poderia querê-los dado a tantas dificuldades. Pensavam que não tinham nada a oferecer e que ninguém se aproximaria deles.
Até que um dia se encontraram e descobriram que tinham este forte sentimento em comum. Passaram a pensar que eram muito parecidos e que cada um poderia ser para o outro o que sempre desejaram e nunca acreditaram. Logo imaginaram-se apaixonados e decidiram se casar. A união de ambos facilitaria a vida dos dois. Problema: Foi a união de misérias. As dificuldades somaram-se e passaram a acusarem-se mutuamente como causa das dificuldades. Cada um achava que se o outro fizesse a sua parte os problemas terminariam. Não aguentaram tanto sofrimento e separaram depois de brigas violentas por longo tempo.
4- PURA ATRAÇÃO SEXUAL
Acontece todos os dias com homens e quase todos os dias com mulheres. É muito comum os casos em que a união do casal se baseia unicamente na satisfação do desejo sexual. Muitos se casam por que se sentem atraídos. é coisa de pele, de olhar. Coisas do desejo sexual. A mulher sente que não conseguiria nada com outro homem. Seu namorado a completa. O homem sente o mesmo. E em muitos destes casamentos ambos se sentem mutuamente atraídos. Cada um vê no outro muitos valores. Dá para casar. mas, percebendo ou não, a causa principal da união é sexual. Desejo porém, não anda em linha reta. Oscila. Coitado do desejo. Vive sofrendo altos e baixos. Nos altos, o amor, o casamento vai cegamente bem (é inconsciente). Nos baixos, quase acaba. Depois de alguns altos e de outros baixos, a união já não é a mesma. Nos próximos altos o casamento passará a ir quase bem. Ambos imaginam se vai durar. Se daí a pouco não enfrentarão outro baixo. A insatisfação passa a existir continuamente. Nos próximos baixos, o casal se separará. Ou então cada um, conseguirá uma aventura extra-conjugal. Uma nova atração sexual parece dar novo sentido à vida. A nova atração confunde-se com novo amor. Tentam se satisfazer desta forma. Depois, ou se matam ou se separam. Tendem a ficarem juntos eternamente, mas já não se poderá dizer que ainda conjugam. Já não estão mais casados. Dividem endereço e responsabilidades. O casamento já está acabado embora permaneçam juntos.
O amor é lindo, o casamento é lindo.
Há muitos outros conflitos, poderemos falar deles em outras ocasiões. Mas vejam só . Não há nada mais lindo, nem mais importante do que o amor. Mas como ele é frágil! Precisa de extremos cuidados. Poderíamos com um pouco de exagero, dizermos que se você atirar um ovo do vigésimo andar, ele ainda poderá ficar inteiro. Mas, no amor, qualquer tombinho, até do 1o. andar, pode quebrar. Com certeza, pelo menos trinca. Felizmente, para ovo quebrado não há o que fazer. Amor Quebrado, as vezes tem cura.
O casamento é mais sólido do que o amor.
Casamentos duram a vida inteira mesmo quando os motivos de união já não mais existam. A felicidade porém é frágil, instável e fugaz, desaparecendo quando menos se espera. Casais vivem juntos mesmo infelizes. Não é correto pensar que separação é fracasso em oposição à idéia de que a continuidade da união seja sucesso. A solidez do casamento depende de muitos fatores que os casais consideram mais importantes do que amor e felicidade. A importância das finanças na vida do casal é imensa. Muitas vezes casais decidem continuar juntos unicamente em razão da condição financeira. Fazem acordos e são explícitos quanto a isto: “ficaremos juntos, mas cada um levará sua vida” e o motivo muitas vezes é a complicação financeira que a separação promoveria. Outras vêzes separam-se por não suportarem tantas dificuldades financeiras juntos. Quase não se tem mais conhecimento de casais onde um tutela o outro. Se os problemas financeiros são grandes, mesmo que por “doença” de um, o outro tende a pensar em separação. Alguns casos de compulsão ao consumo terminam em separação. Não seria o ideal. A psicoterapia deveria ser tentada e seu suporte deveria ser aceito. Na pior das possibilidades a justiça deveria ser buscada para a inviabilização do cônjuge doente. Entretanto, em casos assim recorre-se à justiça para a separação conjugal. Nem sempre, felizmente.

Casamentos inconscientes tendem a encontrar estes desastres e outros até piores pela sua frente. Pessoas normais, saudáveis e que acreditam em felicidade são capazes de buscar no outro valores mais claros, mais possíveis, mais humanos. Tendem a valorizar mais as afinidades pessoais entre eles, são mais altruístas e mais capazes de superar dificuldades e de se adaptarem à novas exigências conjugais. As idealizações, os modelos pré-concebidos, os padrões rígidos, quase sempre não estão presentes nos casais saudáveis e são facilmente abandonados quando as situações assim o indicam. Casais que fazem seus próprios casamentos e que não estejam tentando (inconscientemente) refazer ou corrigir os casamentos de seus pais conseguem fazer uniões felizes, conseguem encontrar e obter a felicidade que o casamento propicia.
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